18 de dez. de 2007

Construir algo

Sabe aquela sensação boa que temos quando terminamos um trabalho árduo? Depois de semanas de estudo, ir bem em uma prova! Depois de horas na frente do computador, imprimir um texto bem redigido! Depois de errar inúmeras vezes, acertar!
Pois é uma sensação realmente boa.
Como no vestibular, por exemplo, quando olhamos nosso nome na lista! Um trabalho longo que mereceu uma boa recompensa.

Neste último final de semana, passei dois dias de intenso trabalho!
Participei de uma interessante iniciativa da ONG Um Teto para Meu País, fundada no Chile e que veio para o Brasil em 2007 com o mesmo objetivo: oferecer um teto às famílias mais carentes de uma determinada região.
É, literalmente, trabalho de formiguinha!
Primeiro, escolhe-se uma comunidade com um alto nível de pobreza e que deseje fazer parte dessa iniciativa. Depois, é feita uma avaliação criteriosa dos moradores dessa comunidade e selecionam-se os mais necessitados.
Em seguida, e foi dessa parte do processo que participei, reune-se um grupo de voluntários para construir uma casa de madeira de 3mX6,10m. No caso, como são muitas famílias, são muitas as casas construidas.
Foram 15 neste final de semana em uma comunidade na cidade de Itapeva, no Vale do Ribeira, uma região bastante pobre do Estado de São Paulo.

Não quero aqui entrar no mérito da discussão sobre o serviço dos governos que, sabemos, é ausente. Acho que é sabido que este é um problema crônico em nosso país, o de maior disparidade social do mundo.

Já havia sido chamado por um amigo algumas vezes, mas só neste final de semana tive tempo para ir.
Sinceramente, não estava muito disposto. Cansado com o final de ano, que foi corrido, ou melhor, intenso, estava preparado para descansar depois de longos meses de esforço e aprendizado.
Mas coloquei na minha cabeça que minha curiosidade em participar desse trabalho voluntário iria fazer com que me arrependesse se não fosse.
E não é que voltei mais descansado que antes? Ou melhor, mais disposto!

As casas são de madeira e pré-fabricadas. São placas já construídas e o trabalho que se tem é para colocá-las no lugar. Nada fácil!
Primeiro, é necessário fazer uma fundação com 17 pilastras (denominados 'pilotís') de madeira, enterradas no mínimo 30cm e expostas para fora, em média, 50 cm. Evidentemente, todos os 'pilotís' devem estar dispostos no mesmo nível, para a casa não ficar bamba ao final do trabalho.
Esta etapa durou o sábado todo. Cavando, enterrando, desenterrando, nivelando...
Tudo debaixo de um sol sem intervalos sombreados!
Ao final do dia, as duas placas correspondentes ao chão da casa já estavam devidamente colocadas e, para a alegria do grupo de trabalho, estavam no prumo certo.

No dia seguinte, o esforço é menos 'sujo', pois se o chão está pronto, não precisamos mexer mais com a terra. Mas não é menor!
São 6 outras placas para a parede da casa, mais as vigas para o telhado e as telhas.
E como pesam!
Martela daqui, arranca prego dali, empurra parede lá, puxa aqui.
Terminamos de construir já no escuro. Colocando porta e janelas.

***

O trabalho é realmente duro! Todo o esforço que fazemos se reflete no suor, nas queimaduras de sol para quem tem pele mais clara, nas dores nos braços e pernas, nas costas, nas bolhas nas mão de tanto martelar.
Um trabalho que jamais havia feito em minha vida.
Até aí, a dor é algo que sentimos de imediato! Não há reflexão por trás disso.

A parte realmente importante é o contato com as outras pessoas.
O primeiro contato é com o grupo de voluntários, que precisa de vontade e atençao para que as coisas dêem certo.
O segundo, extremamente enriquecedor, é o contato com a família que irá receber a casa. (É necessário pontuar que a família não recebe simplesmente a casa. Paga-se um valor simbólico por ela.) Passar o dia com pessoas que não conhecemos, sentar à mesa para almoçar com elas, conversar, ouvir, dividir, trocar. Trabalhar para construir algo que certamente é muito importante para essas pessoas, acostumadas a viver em lugares de uma aridez aterradora. Construir algo para outro sem receber, teoricamente, nada por isso.
Ganha-se muito em troca!
Eu ainda não consigo medir o tamanho do ganho, pois para ganhar, é necessário ter contato com outro alguém: nós mesmos!
É uma experiência que merece reflexão. Até por isso escrevo. Faz parte do processo de reflexão.

Talvez para mim seja apenas um final de semana de trabalho duro. Uma recompensa que se tem pelo sorriso de uma família que dá muito valor àquele pequeno pedaço de teto construído.
Pode ser algo passageiro. Parte de uma grande utopia que é ver um país, um mundo mais justo. Sem tanta diferença social.
Também não quero entrar na discussão política, que é um atraso de vida. Principalmente para a vida dos que mais precisam desse teto.
Minha vida continua a mesma. Tenho minha casa, minha família, meus amigos, meu trabalho, minha faculdade, saúde, educação, lazer...

O importante, e acho que foi a lição inicial que tiro dessa experiência toda, é algo muito mais 'simples'. Que não precisa de rodeios, nem estudos e nem de uma conclusão baseada em estatísticas ou argumentos.
Usando a metáfora que é a construção da casa em si:
Se nós temos as ferramentas nas mãos, temos que construir.

Um comentário:

Anônimo disse...

Fi, tenho muito orgulho de você - não só pelo que escreveu, mas pelo que deixou nas entrelinhas do texto e da sua presença silenciosa e solidária quando as pessoas precisam de ajuda. Um grande beijo
Neta