8 de dez. de 2008

"Aqui tem trabalho"

Foi com essas palavras que Muricy apresentou suas credenciais de treinador no São Paulo.
Depois do clássico contra o Corinthians, pelo Paulistão de 95, quando o time de Muricy, substituindo Telê, levou a maior goleada aplicada pelos alvinegros na história do confronto.
Um 5 a 0 que deixou a cabeça de Muricy inchada.
Na entrevista coletiva, pressionado, Muricy proferiu a frase, se defendendo e defendendo o trabalho de sua comissão técnica.

A torcida tricolor até o conhecia. Tanto como jogador, campeão paulista de 1975 e brasileiro de 1977, como na função de técnico, comandando o expressinho vencedor da Conmebol de 1994.
Mas só naquele dia Muricy apresentava suas cartas.
Até então ele vinha atuando sob o olhar atento de seu Mestre, Telê Santana.
Foi em 1995 que Muricy se viu realizando um sonho. Ser treinador do São Paulo.
A maneira com a qual Muricy assumiu o banco Tricolor não foi das mais felizes, quando Telê sofreu uma isquemia cerebral que o tirou do mundo do futebol.
Infeliz também foi sua saída do clube.
Muricy foi demitido. Obrigado a deixar o clube de seu coração. Enorme coração.
Aquilo doeu. O técnico jurou voltar para finalizar o 'trabalho'

Muricy, brasileiro, rodou o Brasil!
Passou por Guarani, Ituano, Botafogo de Ribeirão, Santa Cruz, Náutico, Figueirense, Internacional, São Caetano...
Nunca colheu desafetos!
Sempre deixou suas marcas por onde passou. Marca de um homem trabalhador. Sério. Sem rodeios!
Pergunte a um torcedor do Náutico, clube onde Muricy é conselheiro vitalício.
Ou a um torcedor do Internacional, resgatado inicialmente por Muricy.
Até o São Caetano deve seu único título de série A a Muricy!

Depois de uma passagem marcante pelo Internacional, quando conseguiu o vice-campeonato nacional e o prêmio de melhor técnico do Brasileirão 2005, Muricy se firmou entre os grandes treinadores do país.
Mas faltava algo.
Muricy sabia que tinha coisas a realizar.
O São Paulo era o objetivo. Ainda mais porque ele já havia recusado um convite quando Leão deixou vago o assento no banco.
Mesmo sem saber das chances de assumir o comando do São Paulo, Muricy decidiu não renovar o contrato com o Internacional. Dizia que precisava descansar e dar mais atenção à família.
Foi quando Paulo Autuori, campeão do Mundo, anunciou em 30 de Dezembro de 2005 que deixaria o São Paulo.
Juvenal Juvêncio, ainda diretor de futebol, não pensou duas vezes.
Nem Muricy.
Chegava o dia de realizar a primeira parte do sonho.

Logo na primeira entrevista, outra frase para a história: "Estou com fome de títulos!"
"Esses jogadores ganharam tudo esse ano, mas eu não vou dar moleza não, porque eu estou com fome!"
E o ano começou bem!
Muricy venceu todos os clássicos do Paulistão, algo que virou marca nessa nova passagem! Entre eles um épico nó tático no Santos de Luxemburgo, no Morumbi, quando uma vitória santista lhes daria o título. 3 a 1, fora o baile...
Alguns tropeços contra times menores, porém, deixou o São Paulo na segunda posição.
Mas na Libertadores o Tricolor continuava empolgando. Em busca do Tetra/Bi.
Guerreiro, o Tricolor encontrava sua cara no mata-mata.
Tirou o Palmeiras mais uma vez da briga.
Sofreu bastante, mas acabou por eliminar o Estudiantes nos penais.
Humilhou o Chivas no México e no Morumbi.

A difícil derrota para o Internacional na final da Libertadores colocou em Muricy outra obsessão.
Libertadores! Ser campeão como o 'Seu Telê', como o Mestre!

Mas mais difícil ainda foi resgatar uma equipe de verdadeiros campeões daquela ressaca moral.
Exigente, o sãopaulino queria título!
E Muricy ainda não tinha saciado sua fome!
O confronto contra o próprio Internacional, no Morumbi, com vitória tricolor por 2 a 0 marcou o começo da arrancada para o primeiro título nacional do São Paulo em após 15 anos!
Cansado e feliz, Muricy comemorou com a torcida!

O ano seguinte carregava uma exigência: título da Libertadores!
Mas o time oscilou muito! A perda de Mineiro, Fabão e Danilo foram determinantes para a demora de Muricy em acertar o time.
No Paulistão, um verdadeiro vexame contra o São Caetano em pleno Morumbi. 4 a 1.
E na Libertadores, outro gaúcho, o Grêmio, entrou na frente.
A eliminação ás vésperas do início do Brasileirão foi traumática.
A imprensa previa a queda de Muricy e anunciava uma intervenção do presidente Juvenal no time que enfrentaria o Goiás no jogo de abertura num vazio e melancólico Morumbi.
E novamente o Tricolor oscilou no começo. Um empate em casa com o Atlético Mineiro deixou Muricy por um fio. Um fio de telefone.
Diretores cochichavam nos vestiário e o nome de Abel Braga corria nos ouvidos de quem estivesse por lá. Até parte da torcida entoava o coro de "burro".
Foi o suficiente para Muricy telefonar para Juvêncio:
-Presidente, se quiserem que eu saia, eu saio. Mas quero ouvir de você!
-Muricy, sou eu quem manda e você fica.
-Tá OK, então!
Nada que dificultasse, porém, o bicampeonato nacional com quatro rodadas de antecipação!
O regime presidencialista garantia o Penta Tricolor!
Penta único!
E Muricy, dessa vez, conquistava o coração do sãopaulino.
A combinação "Olê olê, Telê Telê" e "É Muricy" fortalecia o técnico frente aos exigentes cardeais tricolores.

E 2008 veio.
Veio cheio de erros da diretoria. Uma mudança nas diretrizes de contratação trouxe três garotos-problema.
Um esquentado Fábio Santos, com o aval de Muricy, um problemático Carlos Alberto, a pedido de Marco Aurélio Cunha, e um desacreditado Adriano, sob olhar atento de Juvenal.
Muricy perdeu duas de suas principais referências no meio-campo. O eficiente e experiente Souza e o guerreiro Leandro.
Além dessas, a seleção tratou de 'estragar' o volante fabricado por Muricy, Richarlyson. Dunga tentou transformá-lo em lateral. Em vão.
Entre confrontos com a diretoria, que não admitia os próprios erros, e o receio do novo time do Palmeiras sob a grife Luxe, o Tricolor deixou escapar o insosso, porém apimentado, campeonato paulista.
E em mais um trauma diante de rival brasileiro, o São Paulo foi eliminado da Libertadores no último minuto contra o Fluminense, no Maracanã.
Era demais para a diretoria. Ou parte dela.
A torcida já sabia o que fazer. Ou parte dela.
Enquanto os mesmos cardeais insinuavam a queda do técnico, a pequena torcida continuava indo ao Morumbi para gritar "É Muricy" à espera de uma boa apresentação.
Demorou, mas veio!
Não é preciso descrever a arrancada Tricolor.
Está escrito na História!

E Muricy grava definitivamente seu nome na memória do sãopaulino.
Obssessivo, Muricy vai descansar nas férias. Mas pensando em trabalho!
Pensando em Libertadores!
Repetindo a célebre frase que o tornou Tricampeão brasileiro:
"Aqui tem trabalho"

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