18 de out. de 2006

Meu jogo inesquecível

Cruzeiro 2 X 1 São Paulo
09 de Julho de 2000
Final da Copa do Brasil, jogo 2.

A tragédia de uma geração

Não foi tão difícil escolher o meu jogo mais marcante. É claro que foi do São Paulo! Mas imagino que os fanáticos tricolores e até os eternos fregueses estejam estranhando a minha escolha indicada acima. Ainda mais com o semestre, o ano passado tão vitoriosos. Aliás, com os mais importantes títulos do São Paulo concentrados em treze anos. Todos estes, de certa forma, acompanhados por mim.
No entanto, passei a acompanhar meu time de perto apenas no vice da Libertadores em 1994, primeiro ano da década de “vacas magras” são-paulinas.
Década esta que teve apenas uma linda vitória por 6 a 1 sobre o tradicional Peñarol na final da Conmebol de 94 pelo expressinho de Muricy, um épico retorno do Rei Raí sobre sua presa favorita (preciso dizer?) em pleno Dia das Mães em 1998 (3 a 1, fora o baile) e os festivos títulos sobre Santos e Botafogo pelo Paulistão de 2000 e Rio-SP de 2001, respectivamente.
Minha vida de torcedor, até 2005, foi marcada por mais inglórias do que glórias. Para mim, estas realmente vinham do passado! Inglórias como o vice-campeonato continental em 94, vice-campeonato paulista de 97 (ai, Dario “intuicción”, porque Válber e não Marques), o Dida e os outros dez em 99, a João Havelange em 2000 para o Palmeiras, na única derrota tricolor da história em mata-matas para a porcada. Verifiquem, pois é verdade. Outros momentos tristes como o Kaká sendo caçado na Arena em 2001, as eliminações de três campeonatos por dois dos maiores rivais em 2002 e, por fim, a última infelicidade em mais uma final perdida para os corinthianos no paulistão de 03.
Isso sem citar derrotas acachapantes e humilhações sofridas diante dos rivais ao longo deste elástico período. E também, os próprios títulos por eles conquistados, mas que não valem citações.
Porém, de todas estas tristes memórias, existe uma que me marca e me dói até hoje. Nem a não-citada eliminação da Libertadores para o Once Caldas recentemente me doeu tanto! Para ser mais sincero ainda, foi a única derrota pela qual chorei compulsivamente e entrei numa espécie de depressão profunda; que curiosamente durou até o jogo seguinte do São Paulo.
Aquele Cruzeiro e São Paulo não me sai da memória e me dói na alma!
Nós vínhamos muito bem! Campeões Paulistas passando por Corinthias e Santos nas finais. Estávamos nas finais da Copa do Brasil, único campeonato que ainda nos falta na lotada sala de troféus, já que nem o recém criado Mundial de Clubes da FIFA esperou muito para chegar às mãos certas, com passaporte e visto carimbado.
Voltando..., havíamos eliminado os fregueses da Zona Oeste em verdadeiras batalhas nas quartas-de-final. Com direito a gol de letra do Rei Raí em pleno Palestra. E este, como sempre, nos comandava em campo e Levir Culpi fora dele. O paraibano Marcelinho estava mais certeiro do que nunca com seus tirombaços de fora da área. Ainda, Levir recuou Edmílson do meio para a defesa, o que lhe rendeu uma bela carreira na Europa e uma vaga no time campeão do Mundo no Japão em 2002.
O volante Alexandre mostrava-se seguríssimo e seu companheiro Vágner era responsável pela agressividade do time, puxando a marcação para França, artilheiro e estrela do time, fazer sua arte. O atacante, nascido em Codó, do Maranhão, comprido, de estilo refinado e também excelente assistente fazia sua melhor temporada desde o início de sua carreira no tricolor em 1997 e conquistava, definitivamente, um lugar no coração do torcedor tricolor. O meu, pelo menos.
França é o quarto maior artilheiro do São Paulo, que contou com matadores como Serginho, Careca, Leônidas, Muller e Raí. Sem falar em Friedenreich!
E ainda havia ele, Rogério Ceni. Símbolo central daquela época de poucas glorias mas, ainda assim, ídolo da geração mais nova de são-paulinos. Um goleiro que apurava e ainda apura sua técnica a cada treino, a cada jogo e já era considerado um ótimo cobrador de faltas. Fazendo, inclusive, um dos gols na final do estadual daquele ano. E ele ainda era são-paulino de coração!
Assim, o otimismo aumentava a cada jogo, e nem uma atuação fraca na partida de ida pela semi da copa contra o Atlético-MG no Morumbi, na qual, até hoje não sei como fizemos 3 a zero, me abalou a confiança. Mesmo porque, como é que os mineiros reverteriam tal vantagem? Naquele momento, apenas uma coisa incomodava o fanático aqui. É que Vagner, nosso arredio volante, estava em vias de terminar o contrato. E antes mesmo do segundo jogo da semi-final. Pior ainda, ele era assediado pelo timinho que se diz campeão do Mundo e pedia trezentos mil reais apenas pela renovação.
Resultado: O São Paulo não aceitou. Vagner não foi para a fazendinha (ufa!), mas para a Espanha. Largando o barco tricolor antes do jogo de volta contra o Atlético-MG. Até hoje não sei se chamo a diretoria da época de incompetente ou o jogador de mercenário. Em todo caso, a primeira opção mostrou-se mais adequada no decorrer da história.
O tricolor sentiu a ausência de Vagner e teve dificuldades para jogar, mas a ampla vantagem obtida no Morumbi permitiu o time a administrar a partida que terminou 3 a 3. Com uma endiabrada participação de Marcelinho Paraíba, que marcou os três gols tricolores e levou o time à primeira final de Copa do Brasil com toda a confiança necessária para pegar outro time de BH. O Cruzeiro. Sendo a primeira partida no Morumbi e a segunda no Mineirão.
Levir colocou Maldonado no lugar do vendido (sem ambigüidades) Vagner e apostou em Sandro Hiroshi, que voltara de suspensão após causar inúmeros problemas no futebol brasileiro. O técnico acreditava que a velocidade do atacante ajudaria a confundir a zaga cruzeirense.
Quarta-feira, 5 de Julho, fui ao Morumbi com meus irmãos e primos. Entramos duas horas antes do horário Global (depois da novela). Provavelmente estava frio, mas eu não me lembro, pois estava muito nervoso naquela noite para ver minha segunda final de campeonato em pleno Morumbi. Ambas no mesmo semestre. Aliás, algumas curiosidades envolviam aquele jogo para mim. Meu primeiro jogo no Morumbi foi em 1993 num 0 a 0 com o Cruzeiro. Meu primeiro jogo no Pacaembu foi em 2004 num 0 a 0 contra o Cruzeiro. E além daquela final, vi outros dois jogos contra eles no estádio. Uma vitória e uma derrota. Mas isso não vem ao caso.
O caso é que aquele primeiro jogo foi terrível. Um chocho empate em 0 a 0 (só pra variar) e um sem-número de gols perdidos pelo escondido ataque tricolor, que sofria forte marcação da equipe dirigida por Marco Aurélio. E que, campeão ou não, estava fora do Cruzeiro assim que terminasse a finalíssima, cedendo lugar a Felipão. Assim, eu sofria a cada gol perdido. O mais bizarro deles, uma bola alta sobrando na linha da pequena área, na cara do gol, chutada de chapa por cima do travessão pelo pé de Hiroshi. Qualquer um faria aquele gol, menos o Hiroshi!
Fim de jogo. A torcida tricolor triste, mas ainda confiante. Os mineiros comemoravam aquele belo empate arrancado fora de casa.
Eu tinha muita fé no título e naquele time que, de certa forma, enchia meus olhos, já que era a primeira vez que isso realmente acontecia. Eu estava torcendo, de fato, para meu time! Pois naquela época, tudo que sabia fazer era zombar da desgraça dos rivais. Desgraça que era pouca, com o Corinthians bicampeão brasileiro e o Palmeiras recente campeão da América. Ainda assim, aqueles dias estavam muito bons para mim, pois o Corinthians acabara de ser triplamente eliminado por Botafogo na Copa do Brasil, por Palmeiras na Libertadores e por nós no Paulista. Além disso, a porcada ainda chorava o vice-campeonato da América para o poderoso Boca Juniors. E eu era um ingênuo e chato torcedor de catorze anos que torcia mais contra meus rivais do que a favor do meu São Paulo. Nunca havia gritado “é campeão” com categoria e achava que a hora era aquela. Mas mal sabia eu que vestir as camisas de Manchester United e Boca Juniors iria me trazer tanto azar!
Bom, e lá ia eu, de férias, para a minha fazenda em São Carlos na companhia do meu amigo santista Adriano. Único que eu podia realmente escorraçar, cantando o parabéns para uma fila que já durava dezesseis anos.
Dia do jogo:
Família Mello, tricolor desde os idos de 1930, apreensiva para mais aquela final.
Hora do jogo:
Vesti o manto no meu quarto, ajoelhei e pedi ao santo Paulo que nos agraciasse com aquela tão sonhada vaga na Libertadores. Beijei o escudo, fiz o sinal da cruz e subi para a sala de TV da casa.
Posicionei-me estrategicamente no mesmo lugar do chão em que vira o Brasil campeão do Mundo seis anos antes! Aquilo tinha que trazer boas energias.
O jogo:
Truncado, com poucas oportunidades para os dois time e um nível técnico médio. Raí e França desapareceram naquele jogo. O Cruzeiro tinha Sorín e a revelação Geovanni. Mas o tricolor tinha um iluminado Marcelinho Paraíba em grande fase. Este meia-esquerda de Campina Grande vinha sendo muito decisivo com seus fortes e colocados chutes. E não poderia ser diferente naquele jogo.
Aos 28 minutos do segundo tempo, falta na lateral direita ao lado da grande área azul. Lembro-me que a câmera da Globo focalizava uma visão aérea de trás de Marcelinho. Ele chuta com uma força e um efeito que deu a impressão que a bola passaria por cima do travessão, mas não! Ela encobre a barreira e, por cobertura, passa pelo assustado André, que se estica todo para cima mas não alcança. É GOL!
Explosão! Eu me levanto correndo para o gramado ao lado da piscina pulando e gritando: “Nós vamos ser campeões! Nós vamos para a Libertadores, caralho!!!”. Recordo-me também que já estava escuro. Estávamos realmente próximos de conquistar um sonho!
Volto para o lugar estratégico feliz e preparado para agüentar mais vinte minutos com o coração na boca! Ainda mais que o empate, caso acontecesse, era nosso! O Cruzeiro, agora, precisava ganhar o jogo para tirar o caneco do tricolor! Quanta alegria!!!
Tudo corria às mil maravilhas, mas eis que se levanta do banco cruzeirense um velho conhecido nosso: Muller! Experiente, campeoníssimo com a camisa tricolor e pior, sabia ganhar quando tudo parecesse perdido (não é, Costacurta?). Ele entra e muda a cara do jogo. O time mineiro, aparentemente derrotado em pleno Mineirão, renasce. E em poucos minutos, Muller e Fábio Júnior, outro que também acabara de entrar, costuram uma tabela que dá origem ao gol de empate dos cruzeirenses pelos pés de Fábio Jr.
O tricolor se fecha ainda mais e passa a aproveitar os poucos contra-ataques que restavam. Eram os vinte minutos mais longos da minha vida! Levir coloca o volante Axel para defender a agressividade cruzeirense. Porém, no lance capital, o relógio batendo já na casa dos quarenta minutos, Axel, numa disputa no meio campo com Geovanni, recua mal para Rogério Pinheiro, que voltava de contusão e se encontrava fora de forma (além de não ser bom zagueiro). O beque tem de correr atrás da bola que fica entre ele e seu xará goleiro. Geovanni, revelação de vinte anos, camisa 10, começa a correr bem de trás de Pinheiro. Ceni já se preparava para a possibilidade de precisar sair do gol. O meia cruzeirense alcança o zagueiro, ultrapassa-o e este, em seguida, derruba o jogador mineiro encostado na meia-lua. Os dois Rogérios parados, assustados, e o menino Geovanni entre eles pedindo a expulsão de Pinheiro.
Carlos Eugênio Simon, que fez uma bela arbitragem, saca o vermelho do bolso e manda Rogério Pinheiro para o vestiário.
PAUSA: Sabe aquela sensação que, mesmo quando as coisas parecem bem, você sabe que tudo vai dar errado? E nem o mais otimista deixa de ter essa sensação. Pois é isso que os Sãopaulinos sentiram naquela hora. Não é, torcedor tricolor?
Na hora pensei que Rogério fosse pegar, ou que a bola fosse parar na arquibancada. Mas no fundo sabia que estava tudo acabado. O São Paulo perdeu o jogo.
De volta à cena: O Cruzeiro se prepara para bater...Rogério arma a barreira e se posiciona...Geovanni corre e chuta rasteiro...a bola passa entre as pernas de Axel, que havia entrado poucos minutos antes. Mas ela não apenas passa por baixo, porque se fosse isso, Rogério agarraria. Ela gentilmente toca na perna de Axel. O mesmo que havia recuado mal no lance imediatamente anterior. A bola desvia sua rota e pega nosso arqueiro no contra pé, morrendo lentamente no fundo do gol. E no último minuto do tempo regulamentar.
Eu me levanto correndo, aos prantos. Nem me lembro que caminho fiz para chegar à cena seguinte: Eu, no gramado entre a casa principal e a casinha da minha família, deitado, chorando desesperadamente e me perguntando: “Por quê eu?! Por quê assim?!”
...
Foi, de longe, a maior tristeza que já tive com o futebol. Uma ferida difícil de olhar. Até hoje é difícil lembrar daquela partida. Mesmo hoje, quando me sinto no topo do Mundo, tenho dores no peito ao relembrar aquela virada. Jamais assisti àquele jogo novamente. E me lembro que assisti aos acréscimos apenas no dia seguinte. E vi que meu time perdeu uma chance de ouro numa cabeceada de Marcelinho dentro da pequena área. Quem sabe a história seria outra se eu não tivesse caído em desespero...
Mas assim foi.
E hoje considero aquele jogo o mais marcante da minha vida, pois mudou a minha concepção de fanatismo por um time. Naquela tarde, fui obrigado a amadurecer como torcedor. E como pessoa, já que o Futebol é parte importante da minha educação como pessoa e da minha personalidade.
As mudanças que aquele jogo provocou em mim, não posso descreve-las. Sou o que sou e não preciso fazer auto-análise nesta crônica.
A única coisa que posso afirmar categoricamente é que desde aquele dia, meu fanatismo por futebol e meu amor pelo São Paulo aumentaram demais! É por causa daquele jogo em Julho de 2000 que aproveitei tanto as glórias que vieram em seguida. A virada sobre o Rosário Central em 2004. Todas as partidas contra o Corinthians desde 2003 (e a fila anda). A maioria dos clássicos contra os fregueses Santos e Palmeiras. A Libertadores de 2005. O River, o Tigres, o Palmeiras, o Atlético Paranaense.
O Liverpool e o Mundial da FIFA. Que merecem esta linha só para eles!
Obrigado, Geovanni. Obrigado, Cruzeiro.

Obrigado São Paulo Futebol Clube! Mas que aquilo nunca se repita, pelo amor que tenho por você!

Felipe Figueiredo Mello, 10 de Janeiro de 2006.
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Ficha técnica: Copa do Brasil; 09 de Julho de 2000.
Estádio Mineirão-Belo Horizonte
Juiz: Carlos Eugênio Simon. Público: 85.841
Cruzeiro: André, Rodrigo (Fábio Júnior), Cris, Cléber e Sorín (Viveros); Donizete, Marcos Paulo, Ricardinho e Jackson (Müller); Geovanni e Oséas. Técnico: Marco Aurélio
São Paulo: Rogério Ceni, Belletti, Edmílson, Rogério Pinheiro e Fábio Aurélio; Alexandre (Axel), Maldonado, Raí e Marcelinho; Edu (Fabiano) e França (Carlos Miguel). Técnico: Levir Culpi.

2 comentários:

Anônimo disse...

Grande Mellinho,

Belíssimo texto, se opõe à decepção que foi o resultado da partida.

Porém agora que tudo vai bem é até bom relebrar desses momentos tristes, pois nos faz dar mais valor aos momentos felizes.

Aliás, não pense que esqueci de escrever o texto sobre meu jogo inesquecível, como você havia pedido. Ele está no forno já. Só me falta tempo de finalizá-lo.

Abraços.

Anônimo disse...

Como diz o Nick Hornby em "Febre de Bola", o prazer de uma grande glória tem mesmo que ser muito grande pra fazer alguém que sofreu desta maneira voltar a torcer.
Só quem é realmente fanático conhece a dor física de uma grande derrota. Não dá pra descrever. Então, pra correr o risco de passar por isso de novo, só se a promessa de alegria numa eventual vitória for algo realmente infinito.
E é....
Parabéns pelo belíssimo texto.